14 October 2013

PRETÉRITO MAIS QUE PERFEITO

por Ana Veet Maya





Sou do tempo das ruas de terra e das tardes perfumadas de crisântemos e copos-de-leite.






Tempo das festinhas de aniversário com tudo feito em casa, paté de sardinha e salsa, bombocados, brigadeiros e cajuzinhos da mamãe.

Tempo de pular carnaval nas festas improvisadas nas casas de vizinhos, com confetes e serpentinas e a "seringa com sangue-de-diabo".

Festas de todos os tipos que envolviam toda a vizinhança, especialmente as Festas de Santo Antonio e São João.

Lembro-me das brincadeiras de roda e de esconde-esconde na rua, currupiu, escravos-de-Jó, pula carniça, manamula, pular corda, queimada, bafo, pião, pedrinhas,jogar eu com as quatro, cantigas e depois, quando mocinha, as festinhas na casa de amigas.

Eu amava o drops Dulcora, beber Grapette, Seven UP, Tubaína... Comer a gelatina Jello, o cigarrinho de chocolate e do dadinho Pan.

Morria de medo mas não deixava de ir no dangle do parquinho. E quando ainda bebê, a louca do Parque Xangai me assustava!

Sou do tempo do Aerowillis, do Karmanguia, do fusquinha e do anel de brucutu; tempo do Tremendão Erasmo Carlos e as melhores canções dele e de Roberto!



Eu usei papel carbono, caneta tinteiro, mata-borrão... Usei esfuminho e amava colar os desenhos do Desenhocop.

Ficava bem louca cheirando o álcool quando imprimia no velho mimeógrafo no Estadual da Penha.

Nunca tive dinheiro pra fazer curso de datilografia, mas aprendi a datilografar com dois dedos...

Sou do tempo do modess e da cinta higiênica, do soutien de bojo, da calça pantalona, do cabelo black power, da blusa de banlon, dos tons rosa-choque e verde-elétrico, da meia arrastão e da lixa de depilação..

Eu ficava encabulada com a dança da vassoura e raramente meus pais me deixavam ir nos bailinhos com luz estroboscópica... Só podia ir quando a festa era na casa da Irani.

Irani, suas irmãs e a Márcia iam sempre aos bailes de formatura, com os vestidos longos mais lindos que a Dona Terezinha fazia.

Amava ver os penteados de minha mãe e minha Tia Irene, super armados e cheios de laquê.





Sou do tempo do China e sua Blue Moon da Penha, dos LP's e da vitrola, tempo do Bread, Johnny Rivers, dos Creedences. Beatles e Rolling Stones... Amava ouvir o Hélio Ribeiro e suas traduções inesquecíveis das melhores músicas que me faziam sonhar.

Eu usei coque e vestido tubinho. Fui ao cinema Penharama assistir Ao Mestre com Carinho e Romeu e Julieta com a Olívia Houssey. Às vezes ia ao Cine Júpiter da Penha ou no Penha-Príncipe também.  










Eu não costumava cabular aulas, mas na hora do lanche amava ficar na quadra de educação física conversando com o Carlos, para depois esperá-lo passar de bicicleta em frente a minha porta...

Pegar o Penha-Lapa sozinha era o máximo da independência! Os amigos iam entrando...A Ivone, o Rafael Filizola com sua franja de Ronnie Von, sempre o maior gato do Estadual e o dono da melhor cortada...

Sou do tempo de fazer desenhos livres com a Dona Gilda do Estadual ou com Dona Odete (88) lá na Biblioteca Hans Christian Andersen do Tatuapé.





Era um luxo raro poder curtir uma banana split... Eu também amava tomar  a vaca preta do Superbom da Rua Tuiutí.

Sou do tempo das balas de goma e dos delicados, para mim os de sabor anis eram os prediletos.

Amava ver no céu os “quadrados” que meu irmão fazia com maestria e íamos empinar com meu pai nos descampados do Tatuapé.

Visitei muito o Papai Noel nas Casas Pirani, tomei lanche no Mappin, refresco nas Lojas Americanas do Centro e chá-mate de máquina que só existia na "cidade"!

Amava a murinhana da minha avó, o bolo de chocolate das Tia Berta e era uma festa almoçar todo domingo na casa do Padrinho Vergílio e da Madrinha Elvira...




Sou do tempo da “baratinha” sem capô do meu pai, dos Dodge do meu tio Pedro, dos carros esportivos do Tio Joel, da gaita do Tio Dico, da risada gostosa da Tia Zilda, do café da tarde da Tia Lucinda, da irreverência do Tio Leonel, da cara cheia de lama do tio Osório, da maionese da minha mãe Dona Flora, dos passeios na Riviera buscando pedrinhas com meu primo Armando ou em Interlagos com meu primo Delfo, enquanto assistiamos a corrida de carros ao vivo, pura emoção!




Eu precisei fazer admissão pra entrar no Estadual da Penha. Só pra ter que estudar pra caramba e aprender com os professores mais severos, que conseguiam extrair o nosso melhor sempre. Meu eterno agradecimento ao Professor Jorge Campello, que me influenciou tanto, que me tornei professora de inglês. Igualmente meu agradecimento a Professora Hebe, com quem comecei a aprender a ser autêntica e livre.

Minha salva de palmas a amiga e professora Eunice Valverde, que já naquele tempo “incluía” a todos os portadores de deficiência auditiva... Assisti-la dando aulas abriu meus olhos, ouvidos, minha mente... Observá-la ensinando, abriu meus caminhos para sempre!











Sou do tempo onde a gente namorava e fazia o maior glamour pra dar o primeiro beijo de língua. Andar de mãos dadas com o Mário Branco ou dançar Je t'aime de rosto colado, era digno de entrar no Primeira Mão daquele tempo... Pirava minha cabeça pura e romântica de menina.














Li muita fotonovela Grande Hotel, fazia a brincadeira do copo na casa da Irani de Paula e ir ao baile de quinze anos da Márcia no Clube Corinthians, foi inesquecível.

Aliás foi no Corinthians que aprendi a nada com meu pai e onde pude ter uma adolescência completamente saudável, nadando, jogando vôlei e boliche com minha turminha. E teve o beijo roubado perto do bondinho... Saudade do João Vicente.


Naquele tempo as famílias parece que eram mais unidas, ninguém ficava levantando tese e explicando o por quê. As coisas eram como tinham que ser, como os pais tinham aprendido com seus pais e que agora ensinavam para os filhos. Os pais e mães falavam muito não, porque tudo era difícil e caro e porque a maior parte das famílias trabalhava muito para ter somente o básico.

Eu tive várias bonecas Emília feitas de couro e artesanalmente pela minha Avó Anna, que guardava os pedaços de couro dos sapatinhos que meu pai fazia.

Meus brinquedos eram poucos e comuns. Assim eu amava poder brincar na porta com os brinquedinhos da Inês Guirelli, quando ela deixava...

Sou do tempo das fogueiras altas, do quentão, da carne-louca e do caqui docinho da árvore que ficava na casa da Tio Pedro e Tia Cema. Eu morria de medo com as histórias de terror da minha prima Leila e sua boneca Amiguinha...

Eu assisti a novela Redenção e lembro da primeira transmissão em cores do filme Bonanza... Eu pensava que minha TV preto e branco, no horário marcado, passaria a transmitir em cores. Fiquei muito decepcionada. E só quando casei com o Sebastião aos 18 anos, pude comprar minha primeira TV em cores!

Lembro que na minha rua ninguém tinha geladeira e nem televisão! Foi a Noêmia a primeira senhora a comprar geladeira.
Quando minha avó Anna comprou sua geladeira, ela deixava minha vizinha guardar sua carne. Era um sinal de muita amizade isso.

Nesta época faltava luz sempre e ficávamos brincando com nossas mãos de fazer sombras de bichos nas paredes!

Era um tempo de muitos casamentos na igreja e namoros no portão.

Tempo de comunidade de jovens JATO da Igreja Nova da Penha e do Padre Zé Maria, tempo de construção de ideais, de trabalhar no Projeto Rondon ao lado das amigas Neusa Justino e Rosemarie Lima...

Que tempo lindo foi este de aprender dobraduras e me tornar uma professorinha.

Sonhar era sempre muito bom e possível, porque todo sonho poderia virar realidade.



Amava os contos de fadas e ds festas de Cosme e Damião da Tia Emília.
Curtia ler os gibis do Walt Disney do Tércio e comer os bolos confeitados da minha Tia Amélia!

Saudade da praia de Santos e das festas de finais de ano inesquecíveis na Tia Hermínia e do Tio Sérgio.

Era o máximo ter de programa de final de semana, dormir na casa da Tia Irene e poder curtir um som na sua vitrola esteriofôncia.

Férias escolares sempre com a Kátia, toalha vermelha da vó Anna no décimo terceiro andar do Edifício Bermudas lá no Gonzaga.


Ainda lembro a emoção de ouvir o primeiro gravador e da gravação pela primeira vez das vozes do Tio Joel e a minha, cantando Toquinho e Vinícius.

O tempo do ontem construiu meu hoje feliz.

Agradeço a cada um dos citados e os não citados, por tudo o que representam em minha vida.

Familiares, amigos, professores, vocês são tudo de bom que há pra se lembrar e fazem
parte do meu pretérito mais-que-perfeito!

Vivas!

6 comments:

  1. Sou desse mesmo tempo, de amizades sinceras, de companheirismo, de certa inocência, de acreditar no futuro, Lindo seu texto, grata por essa homenagem, beijos. Irani

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  2. Minha linda, cada vez que eu me olho no espelho, eu me pergunto: velho quem é você
    ? Meu coração insiste em dizer que eu sou alguém que viveu seu maravilhoso texto. Orgulho de conhece-lá.

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  3. marcia UcciOctober 16, 2013

    Amiga acabei de ler seu texto e revivi quase todos os momentos que vc mencionou, estou muito emocionada. Vc. é de mais, sabe mexer com nossa memória e sentimentos. Muitas beijocas no seu coração. Marcia Ucci

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  4. ela é minha filha tenho orgulho sou desse tempo e aida para traz haha bj a todos ff

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  5. Texto maravilhosoooooooooo! Beijinhos,

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  6. Texto maravilhosoooooooooo!
    festas de garagem com cajuzinho, Sukita, Tubaína e sanduba de carne louca,rs.
    Provas com aquele cheirinho especial rs.... Mimeógrafos que parece, ainda são usados :)
    adorei relembrar, besos.

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