24 May 2010

DEVE HAVER UM SENTIDO!

por Ana Veet Maya
Escrito em 2008

A árvore parece me chamar com suas folhas verdes que se curvam com facilidade.
Não é fácil a gente se curvar.
As medicinas orientais explicam bem a importância da flexibilidade.
Já fui mais flexível. Ou menos?
Deve haver algum sentido.
Não sei direito o que é.
A importância das coisas muda conforme eu respiro.
Mais uma respiração e sei que minha mente vai serenar.
Se eu serenar, sei que vou respirar mais profundamente.
E se respirar mais profundamente, sei que vou esquecer.
Esquecer o que mesmo?
Deve haver um sentido nisso.
Deve haver sentido nessa sensação vazia com gosto de nada.
Ela ainda fica na porta da loja de colchões.
Faz isso há 35 anos.
Fica parada, com seu corpo encostado num dos colchões, aguardando o freguês entrar.
Há 35 anos vejo a loja vazia.
Deve haver sentido pra isso também...
O engenheiro Daniel me mandou um torpedo às 5:45 h.
Disse que delirou pensando no pezinho da arquiteta feminina e gostosa.
É normal Ana?  Perguntou-me ele.
Tem que haver sentido pra um torpedo te acordar às 5:45 horas de uma manhã de quinta-feira, pra falar sobre absolutamente nada importante...
Estou cansada.
Ele disse que a semana ainda não terminou.
Estou com saudade do Prashanto.
Não sei chegar sozinha lá . 
Mas já aprendi a ficar sozinha.
Eu sei chegar sozinha em Roma e ver o papa.
O papa é menos importante que o Prashanto.
Eu queria saber tocar violão. 
Eu tentei e não aprendi. Minha mão muito pequenininha, não conseguia segurar o cabo do violão e alcançar todas aquelas cordas de aço.
Deve haver algum sentido pra minha mão ser pequenininha...
O filho dela me encontrou no Corinthians e disse que eu fiz botox porque me achou mais jovem.
Eu não fiz botox, eu fiz cirurgia plástica no olho, pra enxergar melhor. Que nem o Lobo da Chapeuzinho Vermelho.
Eu sou o Lobo Mau. 
Às vezes a Loba Boa.
Sei lá o que eu sou.
Mas deve ter sentido nisso também...
Eu gosto de estar aqui no CAPS.
Gosto de trabalhar e escrever nos intervalos, entre um paciente e outro, entre um surto e outro. Meu, deles...
A vida é engraçada.
O que inspira a Ana Veet Maya?
Entre um rock, um jazz, um blues, um progressivo e um bom psy, eu vou evoluindo.
Um dia sei que vou rir de minhas perdas.
Deve haver sentido nisso.
Estou confusa: não era um eletrônico o que eu estava ouvindo? Por que então o Depeche Mode ta me mandando apreciar o silêncio?
How can I change the world? How can I change the way I am? I don’t know. I don’t know.
Tenho saudade daquelas tardes, o pão-de-queijo da Katita e os nossos cafés intermináveis, cheios de risos e relatos de aventuras..
A pimenta que o Chiquinho prepara é a melhor. Mas a que ele me deu acabou. E eu adoro pimenta.
Adoro queimar de paixão.
Herança talvez daquela vida do passado.
Hoje eles não queimam mais as bruxas na fogueira... O método de tortura evoluiu muito.
Tudo se dá no invisível. São as tramas do além...
Deve haver um sentido pra isso também.
A dona Cida, a Maria Amarante e a irmã Clarete já estão lá em cima.
A Domênica acabou de ir.
Elas lá, eu aqui, olhando o paciente que saiu do surto e está vendendo canetas na rua.
Por que as pessoas compram tantas canetas?
Aonde foram parar todas essas escritas?
Silêncio.
A Yatamalo vai fazer a roda de cura.
O Anselmo falou que aquela erva tem poder. Don Juan também disse.
Eu gosto de Coca-Cola Lemon.
Mas não tenho encontrado e estou triste sem ela.. Isso é um boicote!
Deve haver sentido nisso também.
O Pelin falou que sou como o Plínio Marcos.
Será que foi elogio?
Quero ir no Hopi Hari só pra cair com o elevador...
Vou morrer de tanto beijar.
O beijo dele é mais gostoso que a Coca-Cola Lemon.
O paciente chegou.
O texto acabou.
E a vida continua acordada e viva.

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