8 September 2009

CAPS AD PENHA

por Ana Veet Maya

Os sonhos ainda não acordaram totalmente.
Bocejo e olho o céu.
A nuvem escondeu o sol. A semana começou chorando.
Dirijo para o trabalho e encontro pessoas sonolentas pelo caminho.
O fusquinha vermelho não consegue quase subir a ladeira da Penha.
Do alto a igreja me observa resplandecente.
Deixei o Lundy, o Temaki e a Matilda sozinhos.
Até cães e gatos se entendem. E por que nós não nos entenderíamos?
Abro o portão do meu trabalho com a alegria de poder começar mais um dia útil.
Os pacientes já aguardam o doutô Guilherme, meu amigo Bubby, o Chef Guilherme Tell!
Foi o doutô que pagou o nosso pãozinho da manhã.
Sete horas.
Sentamos juntos e tomamos nosso café. 
Somos uma família!
Não rezamos o Pai Nosso, mas nossa amizade é uma forma perfeita de oração.
Irene fez o café e ao lado de Elaine começa a limpar todas as frestas e cada vãozinho escondido.
Graças a elas, o ar entra.
Silvana atende com boa vontade e dedicação a todos os pacientes.
Ela está preocupada e cuidando dos dentes.
Ela é bonita e tem um sorriso lindo.
Anda meio triste por causa do amor.
É mesmo muito difícil dizer adeus, Silvana.
Bruna, a loira e jovem guardiã de nossos documentos e nossa vida administrativa, alimenta nossos peixinhos. 
Eles enchem de vida este ambiente hostil, onde as neuroses, as manias, as psicoses e todas as pequenas e grandes loucuras se mesclam com a loucura do cotidiano de cada um de nós.
A Joyce ficou falando comigo no MSN o final de semana inteiro, sempre bebendo sua Salton... 
Gosto dela porque quando conversamos, seu coração chega sempre bem pertinho do meu.
Daqui a pouco chega a doida e querida Dudu, a nossa "chefe".
Devagarinho, com a sabedoria de quem tudo sabe e nada vê, ela trouxe paz e amizade para toda a equipe. 
As pessoas se sentem mais tranqüilas, apoiadas, sem tanta pressão. 
Afinal, já que não há dinheiro, há que se ter prazer.
Não temos aumento há mais de dez anos.
Atendemos a dependentes químicos que nos procuram em surtos medonhos.
A Sueli atende comigo os jovens infratores.
Estamos escrevendo um dicionário da gíria dos jovens manos para conseguir entendê-los melhor.
Sueli consegue compreender a todos muito bem. Uma menina ruiva, doce e responsável.
Aprendo muito com ela.
O meu querido amigo Guilherme trouxe o CD de Ila Maria.
A música maravilhosa de filmes do passado inunda de poesia o nosso ambiente.
Parece que só ele e eu conhecemos essas músicas e esses filmes.
Estamos envelhecendo. Acho que só nós dois estamos, Bubby! hehe
Quero morrer fazendo arte ! Porque a arte salva!
Daqui a pouco a Rosana usará esta sala e essa música calará e dará lugar a desabafos e lamentações sem fim.
Tomara que nenhum paciente venha sob efeito de nenhuma droga ...
No último surto, machuquei meu braço segurando a fechadura para que nosso paciente não irrompesse com violência o salão de atendimento e não quebrasse a televisão que ganhamos de doação do meu amigo Sérgio Big.
A maçaneta da porta quebrou exatamente no momento que o segurança chegou, mas a televisão ficou intacta. Uff!
A Rosana é minha mana de escorpião.
Menina sabida, doce e oportuna. Ela anda bonita de fazer gosto. Comprou seu apartamento. Novos projetos, nova caminhada. Boa sorte, Rosana!
A mana Cris Viscome me faz uma falta danada. Gosto tanto dela!
Trabalhamos em períodos diferentes. 
Ela é educadora como eu, tem uma paciência infinita com todos.
Quando surtamos juntas, brigamos sem parar. Mas nos amamos de paixão!
É tudo muito divertido.
Ao lado de seu marido motociclista, ela atravessa corajosamente o mundo.
E esse coração cigano ensina muito a todos nós.
A Inês se adaptou muito facilmente ao nosso trabalho e integra bravamente nossa equipe desde que a querida Marta se aposentou.
Quase trinta anos de trabalho social ao lado dos casos mais tristes, homens e crianças de rua, dotaram minha amiga Inês de um positivismo, uma paciência e uma coragem impressionante para enfrentar o novo. Ela nem sabe direito, mas a admiro muito.
O Dr.José Carlos, nosso clínico geral, ensinou-me muito sobre o Chile. Um verdadeiro guia.
Ele trata de fato os pacientes e se preocupa, pesquisa e acerta. Roqueiro esse dotô!
Saudade da Ivana e seu riso solto. Seriedade precisa. Que pena que se afastou de nós. Mas a saúde em primeiro lugar.
A Juliana e o Júlio somam com esta equipe de doidos e parecem que começam a entender esses nossos mecanismos e engrenagens que necessitam de graxa, mas não há graxa! Nem azeite... Cacetada. 
E agora dotô?
Falta muita coisa aqui: segurança, material, funcionários, apoio à saúde mental...
Mas há a beleza da Letícia.
E há a força severa da Sandra.
Como é bom conviver com pessoas do bem.
Só mesmo pessoas especiais para trabalhar com tanta miséria, doença, desassossego e desilusão.
E eu iludo a pobreza e disfarço a tristeza, fazendo arte, pintando a vida, escrevendo os contos que algum dia falarão por mim.

1 comment:

  1. abraço a todos com muito amor.
    namastê

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